segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Microssistema dos Juizados Especiais Cíveis: a intercambialidade entre as Leis nos. 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09


Artigo escrito pelo Professor Elpídio Donizetti *, disponível em: http://www.editoraatlas.com.br/elpidiodonizetti/index.aspx . Publicado em 12/11/2010.


O primeiro passo para se entender o microssistema dos Juizados Especiais Cíveis consiste na adequada apreensão da idéia de sistema. Na versão clássica, sistema é a unidade, sob uma idéia, de conhecimentos diversos ou, noutras palavras, a ordenação de várias realidades em função de pontos de vista unitários . Assim, o que sobressai no conceito de sistema é a existência de um princípio unificador.

Nesse raciocínio, somente pode-se dizer haver um (micro)ssistema dos Juizados Especiais por se vislumbrar, em um prisma aglutinador, uma programação constitucional donde derivam princípios gerais que conferem coesão aos diplomas que se pretende entrelaçar. Os Juizados Especiais, pois, orientam-se para a realização de uma justiça coexistencial, fundamentada na idéia de conciliação. O caráter distintivo dessa formulação está no fato de que o que se planeja é um meio de composição dos conflitos que considera a totalidade da situação na qual o evento contencioso está inserto: uma justiça realizada pelos próprios atores envolvidos na controvérsia, voltada à preservação do relacionamento entre esses sujeitos, que, a par de se pretender duradouro, apresenta pequenos hiatos de continuidade. Solucionar a tensão, sem exasperá-la – essa é a nota essencial da justiça coexistencial.


Outrossim, a legislação regente dos Juizados Especiais ajusta-se na direção de uma diferenciada concepção do aparato judicial e do próprio processo, reestruturados por princípios de simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 98, I, CR/88).

Quer-se concretizar, em essência, o princípio do acesso à Justiça, permitindo-se que uma parcela da população, tradicionalmente alijada e desguarnecida da proteção do Estado-juiz, possa fazer valer os direitos que a lei lhe confere.

É desinteressante, no entanto, declarar simplesmente que as Leis nos 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09 compõem um microssistema se, dessa conclusão, não se extrair qualquer conseqüência. O resultado da visualização desse vetor unificador influi, justamente, na aplicação dessas respectivas normas. Afirmar que esses três diplomas constituem um microssistema é o mesmo que declarar que, antes de quaisquer outros raciocínios, essas mencionadas leis dialogam entre si, em aplicação intercambiante ou intercomunicante. Eis, portanto, a conseqüência oriunda da afirmação da existência de um microssistema dos Juizados Especiais: as Leis nos 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09 interpenetram-se e subsidiam-se, comunicando-se reciprocamente de uma para a outra, formando um só estatuto.

Dessa forma, contemplando-se a possibilidade de haver lacunas normativas em quaisquer desses diplomas, o preenchimento desse vazio deve ser procurado no próprio microssistema. Tão somente quando este não apresentar regra específica é que se recorre, em auxílio, a outras legislações, incluindo-se o Código do Processo Civil. Inexistindo, portanto, "conflito entre regras explícitas, os dispositivos de qualquer de três leis podem ser aplicados no procedimento de qualquer um dos diferentes juizados" .

O microssistema dos Juizados Especiais tornou-se completo, no entanto, apenas com a publicação da Lei n. 12.153/09, que entrará em vigor em 23/06/2010. A nova lei, levando em conta o sucesso da implantação de um sistema judiciário mais ágil, acessível e eficaz, vem trazer, para esse modelo, lides de pequeno valor e de menor complexidade envolvendo pessoas jurídicas de direito público e empresas públicas do âmbito dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.

Reafirma o art. 1º da Lei n. 12.153/09 tudo o que se disse sobre a intercambialidade no microssistema dos Juizados Especiais, porque dispõe que "os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrante do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência". Evidencia-se, com a expressão "integrante do Sistema dos Juizados Especiais", não ser a nova lei um conjunto normativo isolado, mas inserido dentro de um contexto voltado a realização de um fim comum.

Em termos práticos, pode-se citar dois exemplos em que a aplicação intercomunicante das Leis nos 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09 constitui meio importante para solução de problemas oriundos do silêncio de quaisquer delas. O primeiro deles refere-se às medidas de urgência e aos recursos das decisões interlocutórias. A Lei n. 9.099/95 é silente quanto ao assunto, havendo disciplina especifica, todavia, nas Leis dos Juizados da Fazenda Pública (Lei n. 10.259/01 e 12.153/09). Desta sorte, antevista a idéia de microssistema, pode essa disciplina, referente às medidas cautelares e antecipatórias e à recorribilidade dos respectivos provimentos, serem aplicadas aos Juizados Especiais estaduais cíveis.

Outro ponto solucionado pela Lei n. 12.153/09 reporta-se à lacuna existente nos Juizados Especiais estaduais quanto aos meios de controle de decisões divergentes entre Turmas Recursais dentro do mesmo Estado e em relação à interpretação da legislação federal por Turmas Recursais de diferentes Estados. Levando-se em consideração que a própria Lei n. 12.153/09 anuncia integrarem os Juizados Especiais da Fazenda Publica o sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal (art. 1º, parágrafo único), não há motivos para não se aplicar o pedido de uniformização de jurisprudência por ela trazido à Lei n. 9.099/95. A interpretação, portanto, há de ser abrangente.

Em suma, o compartilhamento dos mesmos princípios informativos, de um procedimento essencialmente semelhante e de uma mesma vontade constitucional a alicerçá-los, permite dizer formarem os Juizados Especiais estaduais (Lei n. 9.099/95), os Juizados Especiais federais (Lei n. 10.259/01) e os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/09) um microssistema intercambiante, que se comunica reciprocamente.

*Elpídio Donizzeti: Mestre em Direito Processual Civil - PUC MinasDesembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages, Professor dos Cursos Preparatórios e de Pós-Graduação ministrados pelo Aprobatum, em convênio com a Anamages - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais e o Centro Universitário Newton Paiva, ex-Promotor de Justiça nos Estados de Goiás e Minas Gerais, conferencista e autor de diversos livros e artigos jurídicos.

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